segunda-feira, 28 de maio de 2018

Óbito


A noite estava quente, ele ali deitado em seu colchão no chão, quase nu, fumando um cigarro e com a cabeça tão desordenada quanto suas coisas espalhadas pelo quarto. A música ao fundo remetia à melancolia e os ruídos da noite aguçavam ainda mais sua dor. O cenário estava perfeito para o crime, estava decidido que aquele seria o momento derradeiro, estava disposto a matar o que a muito vinha lhe matando.
Como poderia ter suportado tamanha angústia por tanto tempo? Por que permitiu chegar ao extremo de seu limite? O preço seria caro mas precisava ser pago, sabia muito bem de sua parcela de culpa na busca de sua própria felicidade. Levanta-se, busca um papel e uma caneta na ânsia de escrever seu poema, quem sabe assim aliviaria a alma e adiaria o inevitável, mas nem mesmo o papel e a caneta, muito menos o poema, queriam ser cúmplices daquele momento fúnebre, estava só naquela jornada. Se ao menos o telefone tocasse, quem sabe assim sua esperança renasceria ao ouvir aquela voz. Quem sabe a voz revelasse a presença, a presença trouxesse o seu cheiro, o abraço, o afago, o beijo, o sexo, enfim, quem sabe assim os pensamentos fossem positivos e a vida se tornasse viável outra vez. Mas já passam das doze e o telefone não toca.
Até ali havia conseguido conquistar boa parte das coisas que desejara, havia conseguido uma posição desejada por muitos na sociedade, havia amado, havia conhecido os lugares que mais sonhara em conhecer. O que mais queria? O que mais lhe faltava? Esses questionamentos ensurdeciam seus ouvidos e perturbava ainda mais sua mente frágil. E esse telefone que não toca.
Pensava consigo mesmo que não vale a pena correr o risco da paixão, pois a paixão tem o sabor da perversidade, não cumpre o que promete, é sarcástica, irresponsável, inconseqüente e só é saborosa por ser amarga. Mas ainda assim queria que aquele telefone miserável tocasse nem que fosse para dizer que era o fim, talvez assim seu próprio fim fosse mais fácil de ser executado. O seu maior medo era que o telefone tocasse instantes depois de não poder mais falar.
Foi suave e silencioso o seu fim, morreu tudo, o amor, a paixão, a esperança, a angústia, a ansiedade, a fadiga, o calor, os pensamentos, a dor e até mesmo a sua maldita felicidade que tanto buscara. Sobrou só a carcaça de olhos abertos, alma dispersa, mente vazia e coração pulsante, era um monte de nada que nada significava para sua nada de vida.
Em sua lápide estava escrito: Aqui nada jaz.

Dy´Paula

        Imagem CC0 1.0 Universal. Dedicado ao Domínio Público. 


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