A noite estava quente, ele ali deitado em seu colchão no chão, quase nu,
fumando um cigarro e com a cabeça tão desordenada quanto suas coisas espalhadas
pelo quarto. A música ao fundo remetia à melancolia e os ruídos da noite
aguçavam ainda mais sua dor. O cenário estava perfeito para o crime, estava
decidido que aquele seria o momento derradeiro, estava disposto a matar o que a
muito vinha lhe matando.
Como poderia ter suportado tamanha angústia por tanto tempo? Por que
permitiu chegar ao extremo de seu limite? O preço seria caro mas precisava ser
pago, sabia muito bem de sua parcela de culpa na busca de sua própria
felicidade. Levanta-se, busca um papel e uma caneta na ânsia de escrever seu
poema, quem sabe assim aliviaria a alma e adiaria o inevitável, mas nem mesmo o
papel e a caneta, muito menos o poema, queriam ser cúmplices daquele momento
fúnebre, estava só naquela jornada. Se ao menos o telefone tocasse, quem sabe
assim sua esperança renasceria ao ouvir aquela voz. Quem sabe a voz revelasse a
presença, a presença trouxesse o seu cheiro, o abraço, o afago, o beijo, o
sexo, enfim, quem sabe assim os pensamentos fossem positivos e a vida se
tornasse viável outra vez. Mas já passam das doze e o telefone não toca.
Até ali havia conseguido conquistar boa parte das coisas que desejara,
havia conseguido uma posição desejada por muitos na sociedade, havia amado,
havia conhecido os lugares que mais sonhara em conhecer. O que mais queria? O
que mais lhe faltava? Esses questionamentos ensurdeciam seus ouvidos e
perturbava ainda mais sua mente frágil. E esse telefone que não toca.
Pensava consigo mesmo que não vale a pena correr o risco da paixão, pois
a paixão tem o sabor da perversidade, não cumpre o que promete, é sarcástica,
irresponsável, inconseqüente e só é saborosa por ser amarga. Mas ainda assim
queria que aquele telefone miserável tocasse nem que fosse para dizer que era o
fim, talvez assim seu próprio fim fosse mais fácil de ser executado. O seu
maior medo era que o telefone tocasse instantes depois de não poder mais falar.
Foi suave e silencioso o seu fim, morreu tudo, o amor, a paixão, a
esperança, a angústia, a ansiedade, a fadiga, o calor, os pensamentos, a dor e
até mesmo a sua maldita felicidade que tanto buscara. Sobrou só a carcaça de
olhos abertos, alma dispersa, mente vazia e coração pulsante, era um monte de
nada que nada significava para sua nada de vida.
Em sua lápide estava escrito: Aqui nada jaz.
Dy´Paula
Imagem CC0 1.0 Universal. Dedicado ao Domínio Público.
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